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    setembro 21, 2017

    A caça ao tesouro e A paciência da aranha - Andrea Camilleri


    A caça ao tesouro talvez traga a cena mais violenta que Andrea Camilleri já escreveu. Ela é antecipada aqui e ali por interferências do narrador, mas mesmo assim a brutalidade do crime revelado surpreende leitores e personagens do livro inclusive, o próprio Comissário Montalbano.
    Isso não significa, porém, que a décima-sexta aventura de Montalbano represente uma mudança de rota ou alguma variação forte do estilo de Camilleri.
    Ao contrário, todos os elementos habituados da série estão lá: o humor, a autocrítica do protagonista, sua inquietação frente ao envelhecimento, as peculiaridades e idiossincrasias de seus colegas de comissariado, a vida que corre silenciosamente tensa em Vigàta, as eternas discussões telefônicas com a namorada lígure.
    Também as principais referências da construção narrativa de Camilleri são claras, sobretudo a contínua inspiração de sua ficção na crônica policial algo insólita no caso, a descoberta de duas bonecas infláveis, idênticas e parcialmente destruídas, em pontos distantes da cidade.
    A caça ao tesouro , no entanto, leva outro ponto-chave da obra de Camilleri ao extremo: o diálogo com outras obras e outros autores. Nada acintoso, carregado ou marcado pelo exibicionismo que as citações cifradas costumam carregar.
    É principalmente em Edgar Allan Poe que o leitor pensa conforme percorre as páginas do livro. Há pelo menos três marcas poeana com que o autor siciliano joga e, por meio delas, constrói sua história.
    A primeira, e mais explícita, é a associação do policial a um conjunto de jogos de raciocínio, ao duelo intelectual entre assassino e detetive que transparece na brincadeira que intitula a obra, mantém o leitor na expectativa de que seja mais grave do que parece e lentamente ganha relevância até assumir o centro da trama. A segunda característica poeana ajuda a explicar a erupção da violência mencionada no início desse comentário: é de Poe que Camilleri extrai a transição segura do policial para a literatura de horror, indiferenciando o que a crítica e os leitores preferiram considerar dois gêneros, ou subgêneros, distintos.
    Se a algum leitor escapar, no início do livro, a origem da mistura policial/horror que Montalbano enfrenta, o desfecho esclarece: é o universo intelectual do século XIX, o mesmo de onde Poe extraiu parte importante de sua imaginação literária. O XIX, suas apostas científicas e seus riscos; o XIX pressagiado por Frankenstein e sintetizado por Mr. Hyde.
    Por esta terceira via, Poe se afirma como a sombra mais persistente sobre A caça do tesouro e ajuda a entender a nova experimentação de Camilleri. O resultado, claro, é excelente: uma história de Montalbano como não aparecia há tempos, com o personagem em pleno vigor e o autor, inquieto na juventude dos 85 anos, impressionando os leitores.



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