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    janeiro 24, 2017

    Os Sapatos Novos do Senhor Túli - António Torrado


    O senhor Túlio perdeu os sapatos novos que tinha comprado, na Feira de Almeirim. Mas o que é grave é que os perdeu depois de os ter calçado. E ainda mais grave é que os perdeu sem ter substitutos à mão. Isto é, ao pé. E ainda muitíssimo mais grave é que, depois que os perdeu,
    teve de voltar descalço para casa. Isto conta-se bem. Contar não custa. Passar por esta trapalhada terá custado ao senhor Túlio muito mais.
    Para começar custou-lhe o preço de uns bons sapatos de carneira. Contente por tê-los comprado e farto dos sapatos velhos, há que tempos a precisar de dobradas meias solas, deitou-os para a boca de um contentor do lixo. Deste gesto, mais tarde, muito se arrependeria. Montado nos sapatos novos, foi à vida
    Cirandou por aqui e por ali, que uma feira tem sempre muito que ver, mas o raio dos butes, que a princípio lhe pareciam tão macios, começaram a morder-lhe os pés.
    À beira de um riacho, aliviou-se dos malditos, que lhe apertavam os joanetes, tirou as peúgas, arregaçou as calças, e foi refrescar os pés na aguinha corrente. Outros e outras, talvez aflitos como ele do afogo da carneira nova, tinham feito o mesmo.
    Depois, cada um, velho ou novo, sentado na relva, secou-se ao sol, feliz e a acenar com os dedos dos pés desencontrados, como que a fazer gaifonas à água do riacho. Bem bom.
    Na altura de calçar-se, deu por que os sapatos afinal lhe estavam folgados. Teriam engelhado os pés ou crescido os sapatos?
    O senhor Túlio não sabia explicar a situação.

    – Oiça lá, ó parceiro: quem lhe mandou calçar os meus sapatos? – disse-lhe um sujeito de grandes calcantes descalços, junto dele.

    O senhor Túlio pediu desculpa do engano e devolveu o seu ao seu dono. Mas os dele, onde parariam? Não pararam, andaram. Calçados por pés enganados, sem ser por mal, os sapatos tinham abalado de vez.
    Restava-lhe esperar que da confusão das trocas sobrasse para ele algum par, nem que muito usado. Mas não sobrou. Nem umas sandálias de plástico.

    – Está visto que o tipo que os levou tinha quatro patas, o grande burro.

    Ao senhor Túlio as indignações nunca duram muito.
    Como contei, no princípio, voltou para casa descalço. Mas a rir-se:

    – Dantes, nem tamancos tinha. Eu era garoto e andava no pó, nas pedras e na lama, sempre de pés nus. Ganhei casco para a vida, foi o que foi. Mas, vai daí, depois, com o bom tratamento do calçado, os pés amoleceram. Pois que reaprendam e saibam quanto custou, para que não se esqueçam.

    De tudo o senhor Túlio tira proveito da lição e até os seus próprios pés ele gosta de ensinar.


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