Era uma vez um tempo em que ainda não havia vacinas (ou havia muito poucas), e os meninos aguentavam
semanas na cama, sem poderem ir à escola, desembaraçando-se alegremente de papeiras, varicelas,
tosses convulsas e gripes que duravam eternidades. Era também um tempo em que ainda não havia
televisão, nem se sonhava com vídeos ou jogos de computadores. Num tempo desses fiz a minha
provisão de sonho e aventura: durante uma pneumonia, curada a papas de linhaça, li A Ilha do Tesouro
e Moby Dick.
Por isso até hoje esses livros têm cheiro, o cheiro inconfundível dos remédios para sempre colado
à ideia do cheiro do rum, da estalagem do Capitão Benbow, ou do convés do “Pequod”. E desde então
aprendi que se pode viajar de muitas maneiras, com a companhia que quisermos, durante o tempo que
entendermos. Basta um livro nas nossas mãos para que mundos verdadeiros e mundos imaginados
se estendam à nossa frente, sem fronteiras, sem passaportes, sem horários de chegada ou de partida.
Infelizmente a literatura portuguesa não é muito rica em livros de viagens. Fizemo-nos ao mar - e dessa
aventura demos conta nos Lusíadas; perdemo-nos por desvairadas terras - e dessa aventura demos
conta na Peregrinação. Depois - cansámo-nos um pouco…
Esta selecção de livros é, como todas, subjectiva.
De um modo mais ou menos abrangente, todos incidem sobre o tema da viagem. E todos têm um
final comum: viajar.
É bom, porque existe um lugar (ou um sonho, ou alguém) a que vale a pena regressar.
Alice Vieira
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