Em março de 1941, uma das maiores romancistas inglesas de seu tempo decide pôr fim em seus dias. Tem 59 anos. Não estudou, não teve filhos, passou grande parte de sua vida com o mesmo homem. Deixa para trás uma obra rica e fascinante que conta com onze romances, quatro ensaios, uma peça de teatro e centenas de artigos críticos. Quem é Virginia Woolf? Uma das maiores figuras da literatura inglesa que as pessoas acreditam conhecer bem. É a vantagem da celebridade.
O inconveniente também. A sra. Woolf é lembrada, mas não necessariamente por boas razões. Bastaria um passeio por sua obra para ter uma apreciação mais justa da autora: de Passeio ao farol, passando por Mrs. Dalloway, antes de jogar-se com tudo em As ondas. A menos que se prefira ficar com O quarto de Jacob ou Orlando, depois de um desvio por Um teto todo seu e uma parada merecida em Entre os atos. Um périplo que pode exigir a leitura de Os anos, quando uma lenda se
sustenta em uma frase. Virginia Woolf tem a reputação de ser uma autora difícil. Sua própria vida é cercada de um halo de mistério. Suas depressões. Sua loucura. Seu suicídio. Tudo parece convergir, fazendo dessa mulher uma heroína trágica.
Em 1966, o dramaturgo Edward Albee escreve uma peça sem relação com a romancista, mas cujo título sugere à perfeição os sentimentos que ela tem o dom de suscitar. Quase sem querer. Who is Afraid of Virginia Woolf? [Quem tem medo de Virginia Woolf?] Muita gente. Quem a lê? Poucos. Seria preciso então começar pelos seus livros sem jamais ter ouvido falar em sua vida. Ignorar a lenda para descobrir sua verdade. Começar pelo fim na esperança de descobrir o início e para que surja, nos volteios de uma frase, o riso dessa mulher por quem apenas a vida imaginária valia a pena ser vivida.
O último capítulo da vida de Virginia é escrito no dia 28 de março, mas sua decisão já data de vários dias. Naquela manhã, quando acorda, sabe que é impossível voltar atrás.
Também não o deseja. Quer apenas a paz. Não vê outra saída. Como todas as manhãs, precipita-se à edícula no fundo do jardim onde costuma escrever. As coisas estão todas em seus devidos lugares. Sua mesa de trabalho. Seus cigarros.
Suas notas esparsas. Entretanto, o seu trabalho naquele momento não se parece em nada com o de outros dias. Trata-se de escrever uma carta, que sabe ser a última, a seu marido, Leonard. Uma vez mais busca a palavra exata, aquela que poderá fazê-lo compreender a necessidade de seu ato. Suas
mãos trêmulas já não aguentam mais. As frases correm de sua pluma com uma facilidade que ela parece reencontrar quando já é tarde demais. Terminada sua tarefa, sente-se quase que aliviada de ter podido formular o que está sentindo. Sabe que ele entenderá. Não quer mais perder tempo. Não deve deixar a possibilidade para que a dúvida surja. Precisa ser forte. Pela última vez. Esconde cuidadosamente a carta ao lado daquela que escreveu alguns dias antes à sua irmã. A seguir, desce de
novo, calmamente, pega seu casaco de pele, sua bengala e sai para seu passeio cotidiano.
Formato Pdf: Virginia Woolf
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